Não é sempre dor.
Às vezes, é só um desvio.
Um hábito que não se explica.
Uma repetição sutil, mas teimosa.
Um cansaço que não dorme.
Uma fome que não tem gosto.
Você segue.
Trabalha, responde, conversa.
Mas carrega uma dobra
uma falha quase imperceptível no tecido do cotidiano.
Algo que insiste em escapar da normalidade.
Aquilo que, no fundo, ainda te escreve.
Chamam de sintoma.
Como se fosse algo fora.
Mas às vezes, é só o que sobrou.
Do que você foi impedido de sentir.
Do que você teve que engolir sem digerir.
Do que precisou calar por tanto tempo
que virou outra coisa.
E você seguiu.
Porque a vida não espera.
Mas o que não foi elaborado, ficou.
Não como memória
mas como presença silenciosa.
Que se move com você.
Que te habita nos gestos mais simples.
Nem sempre quer dizer.
Nem sempre tem nome.
Mas está lá:
no corpo, nos lapsos, nos vícios.
No medo de perder
ou no pavor de ter.
Porque quando nada mais pôde,
o sintoma falou.
Não como linguagem clara,
mas como vestígio
um furo que insiste.
E talvez,
o que hoje incomoda,
tenha sido o que lá atrás te salvou
Uma saída possível — ainda que torta — diante de algo insuportável…